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03 fevereiro 2014

TEMPO 2 : O Governo


Este é o terceiro texto da historia iniciada como o título de "Os três TEMPOS e os Novos BÁRBAROS".
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Profissão: CHEFE DO SERVIÇO DE CULTURA, PATRIMÔNIO HISTÓRICO e EVENTOS



Algum tempo depois de fechar meu escritório na capital, voltei pra minha cidade natal no interior de Minas. Minha filha havia acabado de nascer e minha vida havia mudado completamente... 

Convidada a escrever num jornal da cidade, o gosto pela escrita cresceu em mim. De decoração e paisagismo passei com facilidade para outros temas e não foi difícil estar em pouco tempo envolvida com os assuntos políticos da cidade. 


Catedral Nossa Senhora da Luz-  patrimonio histórico da cidade  


Algum tempo se passou e vieram as novas eleições. Acreditando que poderia ajudar a melhorar alguma coisa no município, mandei meu currículo para o prefeito recém-eleito e assim fui convidada a fazer parte de sua equipe de governo. 

O meu cargo: “Chefe do serviço de cultura, patrimônio historio e eventos do município”. 


Mas para minha decepção, se eu tinha algum idealismo, nenhum trabalho teria sido melhor pra frustrar todos meus sonhos e levar embora o resto da minha confiança no ser humano.


Festa Junina
Foi apenas um ano! No ano seguinte lá estava eu discutindo mais uma vez com o prefeito e pedindo demissão. No que ele prontamente me atendeu!


Não foi um problema pessoal com o prefeito. Ao contrário, acho que ele foi bem intencionado e dentro do que se propôs a fazer para cidade,  foi até bem sucedido. 


Mas do meu lado eu sentia que a valorização da educação através de projetos culturais não sairia do papel. Eu não tinha força política, não era filiada a nenhum partido então meu setor simplesmente não o interessava. Eu trabalhava sozinha, muitos finais de semana e feriados até de madrugada (por causa dos eventos) e ainda tinha que enfrentar a resistência de várias pessoas em quase todas as outras secretarias... a competição entre as pessoas e a disputa pelo maior orçamento era cerrada! 


Muitas pessoas que estão em cargos públicos, algumas até concursadas não sabem mostrar serviço, são incompetentes ou despreparadas e só conseguem aparecer se puxarem o tapete de outra. Então sacanear, ameaçar, fazer fofoca, desmerecer e jogar a culpa em alguém que tem as qualidades que ele não consegue ter é a única estratégia que uma pessoa assim sabe usar para garantir seu cargo e suas vantagens. E sinceramente (e infelizmente) pode dar certo.

Em geral o meio político é um meio árido, de conchavos e panelinhas. Ou você aceita as regras e está dentro, ou você estará fora.

Lutando sozinha e sem recursos, eu abandonei o barco. (como me disseram na época) 


Para mim, não adiantava fazer figura, ser porta voz de nada; Eu queria ter esperanças de colocar em prática algum projeto importante. Eu queria fazer valer meu trabalho, meu esforço. Queria mostrar que valia a pena investir em educação através da cultura. Queria coordenar projetos de longo prazo, projetos possíveis, inclusive com recursos já mostrados por aliados que trabalhavam na capital federal.  Na minha visão nem só de festas vive a cultura! 


Mas a verdade é que não importa o partido, o sistema simplesmente não funciona a favor de quem quer trabalhar. Eu aprendi mais a desaprender do que a contribuir. 


Simples assim; 

(nesta parte eu misturo o que eu aprendi na minha experiência pessoal com o que sabemos e conhecemos da política no Brasil.)



Esqueça tudo que você aprendeu sobre qualidade e eficiência no sistema privado. Não importa de qual lado você esteja, lembre-se que você sempre estará trabalhando com inimigos. Saiba puxar saco das pessoas certas, isso é negociar! Não se destaque, o negócio é puxar pra baixo; lá, menos é mais! O menos eficiente, o mais caro e mais visível.


Esqueça se vai ser bom pra cidade ou pra população! Lembre-se de jogar o jogo se quiser continuar no poder. As regras você vai intuindo e rapidamente estará familiarizado. Sangue de barata você já ganha nos primeiros minutos que entrar, o resto você vai conseguindo ao poucos. Depende de sua disponibilidade para engolir sapos, subir em caixa de fósforos para fazer discursos inflamados, distribuir sorrisos amarelos, ir a enterros (de qualquer um... em época de eleição isso é importante!), quando eleito não precisa mais, você sempre terá a desculpa de estar trabalhando, mentir com verdade e dissimular o tempo todo! Dicas simples, aí o resto é com você. Ah! Lembre-se de fazer algum favorzinho para sua família, seus amigos e todos aqueles que irão garantir seu futuro lá... (no poder e às vezes na merda também!)


E ainda... Esqueça quem souber ou tiver alguma noção de administração, economia, direito, cultura etc. Bom mesmo é o “Seu Zé” do partido x ou y que fez curso técnico em enfermagem pra trabalhar como secretario de administração. Ou a “D. Maria” do partido w (da coligação! ;D) que tem o segundo grau completo (!) para trabalhar na Secretaria de Fazenda! Ou ainda, como você deve lembrar, Feliciano, um homofóbico declarado na Comissão de Direitos Humanos! É assim em todas as instâncias. É assim, mas não deveria ser. A pessoa que vai ocupar um cargo de determinado setor, precisa ter ao menos afinidade com a área, ou ter experiencia comprovada! Pensa se fosse uma empresa que precisasse ser eficiente se alguém agiria assim?


Então, esqueça especialista na área, isso é obsoleto. Esqueça doutorado! Isso chega a ser ridículo!  Estudar só serve pra ser professor e ganhar uma mixaria. Ta vendo como quem estuda é burro!? E quem puxa saco e sabe dissimular é inteligente, esperto?! 


É são normalmente estas pessoas que comandam o destino da cidade, do estado ou do país! 

Flores a Miss Brasil representante da nossa cidade, no evento onde ela passava a faixa de Miss Minas Gerais a sua sucessora.

Mas não se engane. Muito pior que os burros que se passam por espertos são os estudados que usam seu intelecto pra manipular, corromper, mentir. Estes são verdadeiramente cruéis, eles conhecem e dominam o jogo por isso não são pegos facilmente... Pose de intelectual e mente de psicopata! Estes não são “Zé ninguéns”... mas vocês são pra eles, não se iludam!


A tática é lançar falsas informações e algumas fofocas estratégicas pra confundir, desviar a atenção, pra que as pessoas não saibam onde está a verdade. E no final tudo será resolvido com um bom advogado e a famosa frase: “isso é intriga da oposição!”. Aqui cabe perfeitamente a frase de Winston Churchill: " Durante a guerra a verdade é tao preciosa que ela deve ser sempre acompanhada de mentiras como guarda-costas."  

O poder é uma das coisas mais perigosas nas mãos de uma pessoa mal intencionada, mas igualmente perigoso nas mãos de quem não sabe aonde ir...

 
Também não seria justo da minha parte falar só das mazelas dos políticos. Existem sim, pessoas do bem. Pessoas que conseguem, apesar das dificuldades, fazer alguma coisa de bom, conseguem melhorar alguma coisa e ter boas iniciativas. Conseguem nadar contra a maré e chegarem vivos. Mas sem duvida é minoria. A maioria se embriaga com o poder e com as facilidades e possibilidades da vida política. Ver uma pessoa colocar o “NÓS” na frente do “EU” (ou do meu grupo, meu partido) é sinceramente difícil de ver. Os projetos só andam se tiver um interesse pessoal em jogo!

Festa do Rosário



Mas também aprendi algumas coisas construtivas na vida pública, principalmente trabalhando com o povo. Criei um conselho de cultura na cidade e fazíamos reuniões periódicas. Muita coisa interessante saiu de conversas com estas pessoas. Na conferência municipal de cultura, que eu organizei, foram apresentados vários caminhos para o setor. Lá eu também tive oportunidade de apresentar propostas e de lutar por várias coisas importantes nesta área. 


Fiquei maravilhada com as possibilidades de progresso possível pra a cidade. Entusiasmada, eu contatei o pessoal da PUC-BH que foram à cidade oferecendo uma turma de alunos e o apoio do corpo docente para fazer o inventário do patrimônio histórico da cidade em troca do local e do material para os alunos trabalharem. Também olhei especialistas para começar a desenvolver o plano diretor da cidade... Foi um ano de muito trabalho e muita atividade, mas infelizmente não tive respostas positivas para os projetos. Eu parecia gritar com leões enquanto nadava contra a corrente.


Crianças no desfile de Carnaval da cidade

Tinha sonhos de transformar o setor não no pão e circo comum das cidades do interior, mas em alguma coisa que realmente modificasse a cidade, modificasse o futuro das pessoas. 


A cidade apesar de pequena tem o IDH alto, segundo fonte*: “O analfabetismo é praticamente nulo e o município possui um dos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais altos do estado: 0,801.” Ou seja, não tem pobreza representativa, inclusive ficávamos fora de diversos programas sociais do governo federal por ter este índice assim tão bom. 


Então para mim era óbvio que o que faltava eram empregos melhores (pra melhorar a renda per capita) e qualidade de vida! É triste ver que a educação através da cultura e o lazer de qualidade são sempre renegados a último plano, mesmo quando temos possibilidade pra isso. 


O que acontece é que muitas pessoas são desinformadas, ou tem informações truncadas o que dificulta ainda mais as coisas. E a grande maioria não tem consciência que os efeitos de muitas de suas atitudes e crenças afetam negativamente sua vida e continuam sem entender. Esta falta de consciência não é mostrada no IDH da cidade, às vezes ela é cultural, passa de geração para geração e as pessoas não sabem que podem ter e que devem exigir coisas melhores para elas. 


Praça da Catedral    (foto de Nífer )

Muitas sofrem sem entender as causas. Por exemplo, lá muitas pessoas pediam para cortar as árvores das calçadas, pois estragavam os passeios e sujam as ruas, mas não coseguiam entender ou fazer a conexão entre corte das árvores com o calor insuportável na cidade. Não entendiam que elas estavam mudavam o ecossistema e assim determinavam seu futuro. 

É a famosa deficiência ou carência educacional. A melhoria desta carência pode ter grandes resultados em projetos na área de cultura. Como foi feito naquela época um trabalho maravilhoso de iniciativa do chefe de serviço da área da limpeza urbana em parceria com o setor de cultura. Foi feita uma grande campanha de conscientização sobre o lixo reciclável e foram dados mais recursos aos catadores de lixo para melhorar a coleta de lixo seletivo. Esta pequena ação melhorou consideravelmente a vida dos catadores de lixo e ainda aumentou a consciência coletiva sobre o problema do lixo urbano. Pequenas ações grandes resultados! Mas não pode parar, tem que ter uma ação contínua para ser eficaz.

Além do mais, as pessoas não tem lazer, não tem nada que contribua para sua qualidade de vida e para seu desenvolvimento como ser humano. Não adianta apenas viver muito (IDH alto), tem que se ter algo interessante para fazer na vida! Sem uma vida feliz, interessante a tendencia é que as pessoas prestem atenção demais  na vida dos outros e diversão fica sendo falar da vida alheia.  

Uma cidade que não tem um parque municipal sequer, não tem um centro esportivo público (só nas escolas) e mesmo as pouquíssimas praças não tem sequer brinquedos para as crianças brincarem, não esta contribuindo com a qualidade de vida das pessoas! 


A situação era complicada! E ainda é! Algumas praças não tinham nem árvores plantadas, e outras praças que ja tiveram belas arvores, estas nunca passavam de uma geração. Quando elas cresciam sempre aparecia alguém com um motivo para mandá-las cortar.

Carnaval de rua

Não tinha (e não tem até hoje!) opção de passeios, de lazer, de convivência que seja público (exceto em época de festas tradicionais como o Carnaval). A única opção de lazer é assistir televisão ou ir para o bar! Boteco, melhor dizendo... e se tivesse shoppings iriam para os shoppings com certeza! Sinceramente só quem não conhece melhores opções acha que está bom assim... não! Não esta! 

Lazer faz parte das necessidades básicas do homem! E a CULTURA pode ser o grande agente transformador da sociedade.

Antes dizíamos que "educação vem de berço" hoje sabemos que é fundamental  o papel da cultura na educação do sujeito transformador. Click aqui e veja o video





É função do governo dar condições dignas de vida para as pessoas! “Não é suficiente transferir renda; tem que criar oportunidades e oferecer serviços.” (L.Boff)

 
Na política o difícil é jogar o jogo sem vender a alma ao diabo ou morrer por dentro, mas quando se tem oportunidade de fazer alguma coisa realmente significante é um dos trabalhos mais recompensadores e apaixonantes do planeta! 








* fonte: Wikipedia

Outros sites de interesse:

O que é cultura? 

Viva Cultura : Cultura e cidadania e outros vídeos

Unesco  ;  IPHAN ;


  








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