Em todos os tempos migrar sempre foi um impulso natural da humanidade. Assim descobrimos cada um dos continentes e
habitamos toda a terra. Até os dias de hoje existe sempre pessoas adeptas de
mudanças, seja por curiosidade, por atração pelo desconhecido, seja pra sair da
rotina ou por algum motivo de força maior. Migrar, emigrar ou imigrar... não
importa pra onde, não importa o motivo estas palavras jamais saíram do
dicionário. Mas logo que conhecemos uma pessoa nesta situação bate logo aquela
curiosidade: Porquê será que ela imigrou?
Isso mesmo.
Logo, “porquê você imigrou?”, foi uma das
perguntas que mais ouvi desde que saí do Brasil. Nas universidades, nas
escolas, em locais de trabalho, por amigos, por desconhecidos, na rua... enfim,
aqui e lá. Todos querem saber.
Já respondi de várias maneiras, e minha
resposta já mudou algumas vezes. De tanto falar sobre o assunto acabei chegando
à conclusão que não precisamos de motivos pra mudar de país ou emigrar para
algum outro lugar qualquer. Se observarmos bem, sempre tem gente com motivos
melhores que os nossos pra se moverem de onde estão; seja da casa dos pais, da
cidade, do estado ou mesmo do país e nem por isso se mudam. Então acredito que os
motivos somos nós que criamos pra justificar nossas escolhas. De fato existem
motivos trágicos como guerras, terremotos, exílio ou mesmo uma fuga que pode
forçar uma mudança. Mas quando a escolha é pessoal o que vale mesmo é o nosso
livre arbítrio e coragem! Funciona assim em qualquer circunstância e em
qualquer lugar. Sempre teremos motivos para procurar algo melhor! Basta nos
deixar guiar por eles.
Nos cursos de francês que frequentei por aqui sempre
saía esta clássica: “Porquê você imigrou?” Como eu disse antes, já falei e
escrevi sobre este tema várias vezes e acredito que tive tempo suficiente para
pensar em todas as possibilidades ou em possivelmente todos os motivos; os meus
e os dos outros. Em geral o que mais se ouve, ou seja, os motivos citados pelos
imigrantes são; a procura de melhor qualidade de vida seja pessoal ou familiar,
um bom emprego em vista, a procura de uma melhor situação financeira ou a
vontade de recomeçar noutro lugar. Mas já ouvi coisas como; imigrei para viver
longe da minha sogra!
Achei muito engraçado quando ouvi isso de uma chinesa
que estudou comigo. Mas com o tempo fui percebendo que muitos motivos estão realmente
ligados as frustrações com as relações profissionais, pessoais ou familiares e
as limitações nas liberdades de escolha dentro da família ou na sociedade de
origem.
Sim, é verdade!
As pessoas se sentem mais
livres vivendo em outra sociedade. Livres pra decidirem o que querem ser e como
querem se comportar. Livres para determinar como educar seus filhos. Livres
para fazer uma nova escolha profissional. Livres para se vestir, para se
expressar e até para ser totalmente diferentes do que já foram um dia. Vejo esta
liberdade como um dos melhores aspectos da imigração. Sem a pressão da
sociedade temos tempo para refletir melhor sobre a vida e sobre o que nos faz
feliz de verdade, pois nos sentimos livres pra nos descobrir e nos permitir
viver como manda nosso coração.
Conheci pessoas que amadureceram e se
transformaram de tal forma que eu diria que se tornaram quase irreconhecíveis. A maioria mudou
para melhor! Bem melhor! Mas claro que isso é uma decisão pessoal, morar fora
só abre uma porta para facilitar que as transformações aconteçam. E isso é de
cada um. Tem gente que faz questão de manter-se imutável, acreditando ser isso
uma virtude e trazem comportamentos e reações fundamentadas na sua cultura de
origem. Nos casos mais extremos as pessoas se isolam em suas comunidades e
fazem os chamados “guetos”. Elas mantém rigorosamente suas tradições e culturas
e alguns nem mesmo falam outro idioma que não seja sua língua materna. Vivem num mundo a
parte.
Não que manter alguns de nossos costumes não
seja bom. Ao contrário, acho essencial e até mesmo vital para muitos de nós que
moramos fora.
Falar nossa língua materna em casa, mostrar
coisas da nossa cultura, participar ou se informar das coisas do nosso país
pode ser apenas uma riqueza cultural a mais que podemos passar aos nossos
filhos, mas que também nos mantém vivos como brasileiros, como integrante das
duas nações que somos. Nos faz estar conectados com nossas origens, com o que
somos, ou com o que já fomos um dia.
Mas se nos abrirmos também para o novo mundo,
as vantagens, a meu ver, serão maiores.
Uma das grandes oportunidades que temos é a de
podermos avaliar melhor as coisas. Podemos olhar os problemas de nossa cultura,
ou de nosso país, de fora. Podemos comparar por experiência o que funciona
melhor num lugar ou em outro. Temos, se assim o quisermos, a possibilidade de ampliar
nosso ponto de vista. De aprimorar nossa reflexão. Mas claro que isso não nos
torna donos da verdade, ao contrário, nos faz entender que a verdade pode ser
muito mais relativa do que imaginávamos. E que cada um tem um ponto de vista de
acordo com suas experiências, suas vivências e seus conhecimentos. Estar olhando de
fora nem sempre nos faz ter uma opinião melhor do que quem está dentro, só nos
dá mais frieza pra analisar.
Ressalto também, sem dúvida, os benefícios a
nível pessoal. Temos oportunidade de fazer grandes mudanças na forma de pensar,
de ver o mundo e encarar os problemas. Mudanças estas que podem ser profundas e
transformadoras. Que podem, mesmo sem que a pessoa se dê conta, mudar toda sua
maneira de viver.
Por isso que em qualquer circunstância e por
qualquer período de tempo eu sempre incentivo as grandes viagens. Acho que os
benefícios são enormes. Como eu disse antes, tanto a nível pessoal, como na
relação com nosso país de origem. Temos, por exemplo, a chance de vê-lo com outros
olhos, de dar valor a pequenas coisas, antes insignificantes e até de amar
coisas nele que jamais havíamos percebido. Conheço alguns expatriados que são
muito mais nacionalistas que a grande maioria que vive no Brasil. Às vezes tudo
é uma questão de ponto de vista. E mudar o nosso ângulo pode salvar nosso
mundo! Mas existem também os que sempre sonharam em sair do Brasil, que nunca
se identificaram com nossa cultura e que ganhar o mundo foi só uma questão de
tempo! Para estes a adaptação a uma nova sociedade é fácil e natural. Melhor
assim pra eles, ou “Tant mieux pour eux” como diriam aqui.
“Morar no
exterior é viver entre a cruz e a espada, entre a razão e o coração.
É ter tudo de melhor que o mundo pode te oferecer e sentir falta das coisas mais banais da sua terra. Eu amo meu país, mas ele ainda se comporta como uma madrasta má, infelizmente...”
É ter tudo de melhor que o mundo pode te oferecer e sentir falta das coisas mais banais da sua terra. Eu amo meu país, mas ele ainda se comporta como uma madrasta má, infelizmente...”
Anderson F. Silva
Depois de cruzar o mundo, vem à questão; e
agora?
Foto Keith Regina |
Morando no exterior há quase cinco anos esta,
posso lhes garantir, é também uma questão muito recorrente. Sempre nos
deparamos com pessoas querendo vir, e outras querendo voltar. O fluxo é uma
constante e os motivos, sempre justificáveis.
Morar no exterior, no meu caso, ainda não é uma
questão totalmente resolvida. Eu me sinto pertencente ao grupo que tenta aproveitar
as oportunidades e que se abriu para um mundo novo. Tenho consciência dos
benefícios e desvantagens de viver entre dois mundos. Talvez por isso eu ainda me
pego vivendo em fase, ora completamente satisfeita com a nova vida, ora
saudosa, lembrando de um tempo que talvez não exista mais. Me sinto como dito
pelo autor desta frase acima, “entre a cruz e a espada, entre a razão e o coração.”
Tenho tudo de melhor que um país rico, desenvolvido e com sólidos princípios
humanitários e de igualdade social como os que o Canadá pode me oferecer, mas às vezes
sinto falta das coisas mais banais do Brasil.
Sinto falta de alguns amigos do
coração, do cafezinho no final da tarde com direito a se encantar com o pôr de
sol ou das conversas animadas com gente fina, elegante e sincera; dos encontros
de família e do carinho e apoio que sempre recebo. Sinto falta das montanhas,
do cheiro da mata, da água fria da cachoeira, de caminhar de uma praia a outra
na expectativa de uma visão surpreendente; das paisagens de tirar o fôlego, vista
de cima da montanha ou da varanda da pousada; da simplicidade da vida de
algumas cidades do interior por onde eu sempre passeava nos finais de semana...
AH! Eu também amo o Brasil...
Amo de verdade, só que logo após o devaneio me
bate uma tristeza. Lembro-me do quão dura é a vida lá. E não é só na questão
política, mas social também. Lembro-me da violência urbana, da ganância e do
egoísmo; da cultura vazia, flácida e da mentalidade tacanha fácil de
encontrar... Lembro-me que infelizmente “este país que tanto amo ainda se
comporta como uma madrasta má...” Que quem garante o seu, pouco se importa com
o resto da população e que mentir e tão aceitável quanto o preconceito e a
discriminação social. Talvez por isso os vilões da dramaturgia encontrem tantos
admiradores, e até uma torcida cativa por lá.
Claro que os países desenvolvidos pra onde
normalmente migramos não são perfeitos. Tão pouco o Canadá é perfeito. Aqui
também tem preconceito, tem discriminação, tem gente mentirosa, tem corrupção,
tem governo que quer impor sacrifícios à população. Tem político que mente pra
ganhar as eleições e depois não cumpre as promessas. Tem problemas na economia,
tem grandes empresas falindo, tem desemprego, tem cortes de orçamentos
importantes na saúde, educação, cultura e tem também muitas greves e muitas
lutas... O que faz a diferença é que aqui sentimos segurança e confiança.
Confiamos na justiça, confiamos que nossos direitos, garantidos por lei, serão
resguardados. Confiamos que os culpados serão punidos e os inocentes serão
inocentados. Confiamos que as leis, sejam elas quais forem, vão ser respeitadas.
Confiamos que não importa quem você seja você terá os mesmos direitos e deveres
de qualquer outro cidadão. Mesmo se for o dono de uma companhia aérea e se for pegar um voo essa pessoa vai ter que entrar na fila, como você que comprou na classe econômica, e ele vai esperar sua vez de embarcar como qualquer outra pessoa. E isso
não é exceção, isso é a realidade aqui. Podemos ver em qualquer lugar, seja na
fila de um banco, do supermercado, e até nas escolas. Porque aqui é vergonhoso
não saber esperar sua vez. É vergonhoso desrespeitar o próximo, furar fila,
buzinar no trânsito, não respeitar as regras, gritar, conversar ou ouvir música
alta incomodando a vizinhança, mesmo que em lugar público. Aqui também tem moda
e para segui-la basta ser gentil e respeitoso.
E dentro desta lógica, as manifestações surtem
efeito, as reivindicações são ouvidas e negociadas, os casos de corrupção e discriminação
são julgados. Os direitos das minorias garantidos. A população é consultada
sobre temas de seu interesse. As cidades são devidamente sinalizadas e a
população é avisada de problemas sérios com a devida clareza e antecedência.
Os
professores, desde a pequena escola até a universidade, ensinam os alunos a
refletir, a buscar informações, a pesquisar e jamais enfiam a matéria goela
abaixo como verdade absoluta. Então se cria o hábito de pensar, de questionar,
de argumentar e refletir! Aqui criam-se
pessoas autônomas, independentes, com opiniões e modo de vida a serem respeitados.
Criam-se cidadãos conscientes e não gente egocêntrica, fútil e deslumbrada,
estas são as exceções. Aqui a individualidade é respeitada e opiniões
diferentes enriquecem o ponto de vista.
Enfim, as coisas funcionam bem e você pode se
sentir seguro pra confiar no país e nas pessoas. Pois o país te apoia, te
escuta e resguarda seus direitos e as pessoas sabem viver em sociedade e sabem
respeitar umas as outras. Qualquer um que se adapte a isso terá uma vida
tranquila...
De fato, o que faz a diferença entre as
sociedades da qual faço parte; Brasil-Canadá, é aquilo que cada uma apresenta como regra e não as exceções.
Mas qualquer que seja o final da historia o
fato é que migrar para outras regiões e principalmente para outros países pode
ser uma experiência muito enriquecedora. Seja por uma temporada, alguns anos,
ou pra sempre. A viagem sempre vale a pena! Motivo você não precisa, o que você
precisa mesmo é de coragem!
Bon Voyage!..
Nenhum comentário:
Postar um comentário