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08 março 2015

Perfil do imigrante



Sempre que a situação no Brasil parece piorar vem mais uma vez uma leva de gente procurando por informações sobre imigração. Não vejo problemas, acredito ser normal.  Sem esperança ou insatisfeito é que não dá pra viver.  Mas aí surge a questão, será que você tem perfil pra ser imigrante?
 
 
Imigrantes de vários países no curso de francisação da UQAM- Montreal -2010


Como já escrevi (aqui) eu costumo incentivar as mudanças, as viagens e também, claro, um projeto de imigração. Incentivo, pois acredito que vale a pena. Independente de qualquer resultado no final; se vai dar tudo certo, se vai ficar para sempre ou se vai arrumar as malas e voltar. Incentivo porque acredito que quando saímos da nossa zona de conforto aprendemos muito mais sobre a vida, sobre nossas relações com as pessoas e com o mundo em geral, mas aprendemos principalmente sobre nós mesmos. Incentivo porque acredito que as experiências vividas na imigração são ricas e podem ser transformadoras. 

Podem sim! Mas isso depende de cada um. 

Em outras palavras, o que eu acredito é a minha maneira de ver este tipo de experiência que nada mais é que uma interpretação muito pessoal do mundo, das minhas vivências e das trocas de experiências com amigos e conhecidos que compartilharam seus pontos de vista comigo. Por isso a decisão de migrar ou de imigrar é sempre muito pessoal e cabe a cada um fazer uma avaliação sobre o tema e principalmente analisar suas possibilidades de sucesso nesta empreitada.

Para te ajudar nesta sua decisão, listei os aspectos a serem analisados para ver se você esta preparado para partir rumo ao desconhecido. Voilà os dez itens do perfil de imigrante:


1-Disposição para enfrentar desafios;

Sem dúvida, a primeira coisa a ser avaliada neste projeto é seu potencial para enfrentar desafios e mudanças. Prepare-se, pois os desafios serão diários e a mudança certamente bem radical. E te asseguro que sem persistência e coragem seu projeto estará fadado ao fracasso. Então além das mudanças previsíveis, você também deverá estar disposto a descobrir novos sabores, a se adaptar ao clima (nem sempre favorável), a ser flexível, a se frustrar quando tentar se comunicar, a ler as entrelinhas, a aprender sobre a cultura local e a estar preparado para usar plano B, C ou D caso seu plano A venha abaixo.


2-Desapego;

Saber seu nível de desapego em relação a sua família, seu status social, seus amigos, sua cidade e até as pequenas coisas da vida também é de grande importância. Não estou falando aqui sobre sentir saudades. Isso é outra coisa. Mas se você consegue realmente viver sem tudo isso que você tem agora. Será que apenas visitas ocasionais ao Brasil serão suficientes para matar as saudades e continuar seguindo em frente? Tem pessoas que não conseguem viver sem visitar os pais semanalmente, ou sem sair pra tomar uma com os amigos, ou sem seguir seu time do coração, ou sem se estremecer ao som do carnaval... Às vezes estamos mais preparados pra nos desapegarmos de grandes coisas, um emprego, um caso de amor, o país, que esquecemos que são as pequenas coisas na nossa vida que mais nos fazem falta. 


3-Orgulho e vaidade;

Até que ponto você estaria disposto a moldar seu orgulho? Ter satisfação por suas realizações pode ser um sentimento elevado de dignidade pessoal, mas o orgulho tem outras facetas e trazê-lo na bagagem pode ser arriscado. Então, dispa-se dele! Humildade será a palavra de ordem. Toda imigração vem com uma boa dose de humildade e paciência. Por mais que você venha preparado, você vai ter que se adaptar as novas regras. Falar outro idioma é uma delas e desde que este não seja sua língua materna, certamente em algum momento você terá problemas. Esteja preparada para pessoas impacientes com seus erros e sotaque, então aprenda antes de tudo a respirar fundo, sorrir e não ter medo de começar a frase de novo. 


4- Eterno Imigrante;

Desde que você fincar os pés em outro país, você será um eterno imigrante aos olhos dos nativos ou na melhor das hipóteses será “um gringo”. Esqueça se seu sobrenome carrega gerações de reis e magnatas. Aliás, muitos sobrenomes para estas bandas de cá, parece soar como algo de extremo mau gosto, além de te trazer alguns problemas na hora de fazer inscrições. Mas enfim, mudar conceitos também faz parte das regras. 

Também esqueça se você já foi um profissional disputado a tapa pela concorrência, e mesmo tendo um currículo invejável, aqui ninguém te conhece! E isso infelizmente, contará contra você.  A menos que você seja realmente a única opção para a empresa, qualquer um que tenha uma “experiência canadense” passará na sua frente na lista. Aqui eles não valorizam “gringos” como vemos frequentemente no Brasil!

Sendo assim, você será em primeiro lugar, reconhecido como um imigrante, em segundo como sul americano ou latino americano, em terceiro (talvez) como brasileiro para só então passar a ser reconhecido como você mesmo, com nome e sobrenome! Talvez também, pois em algumas situações o reconhecimento só vai até os três primeiros tipos.


Imigrantes - amigos da época da francisação -


5-Preconceito;

Esteja preparado ou no mínimo ciente que você ou sua família podem sofrer preconceito. Infelizmente você não estará imune a isso! Sim, existe preconceito e descriminação por aqui. Não é a toa que a taxa de desempregados pode variar de acordo com a origem da pessoa. Pra se ter uma ideia, em 2014 à taxa de desemprego aqui no Quebec entre os nativos canadenses foi em media de 5%, já entre imigrantes asiáticos ficou por volta de 12%, entre os latinos americanos chegou a quase 15% e entre os imigrantes africanos 20%.

Existe uma visível discrepância entre a integração oferecida pelo governo e a oferecida pela sociedade. Enquanto o governo vai te dar todos os recursos necessários para sua integração (como validação do diploma e direitos iguais), a sociedade pode não ter a mesma boa vontade. Por isso não é difícil ver motoristas de taxi, atendentes de call center, caixas de supermercados, instaladores de tv e babás falando três línguas e com um diploma de bacharel guardado em algum canto.



6-Preconceito II;

O preconceito tem duas vias; então mesmo estando sujeito à discriminação o imigrante pode, por outro lado, ser um discriminador potencial. Tenha cuidado ao julgar! O Canadá é um país que protege os direitos humanos e as minorias. Muitas das propostas que são debatias no Brasil hoje já é realidade aqui há muitos anos como a lei do aborto; O reconhecimento ao casamento gay (há mais de 10 anos); O cigarro de maconha para uso medicinal; A maioridade penal a partir de 12 anos e até ajuda medica pra morrer (em determinados casos no Quebec). Então é importante que o imigrante tenha um espírito aberto e aprenda a julgar menos. Lembre-se  de que aquilo que você acredita e valoriza hoje pode mudar completamente amanhã.
 


7-Disposição para recomeçar;


Colocar a vida toda em algumas malas e atravessar o oceano, ou o continente, com um projeto de vida na mão não é coisa pra qualquer um. Tem gente que não gosta nem de mudar de rotina, imagina recomeçar do zero. E se tem uma coisa inegável na imigração é que será sem dúvida um recomeço. E recomeçar às vezes quer dizer recuar, pra depois avançar. Não pense que você vai chegar aqui e vai conseguir manter seu status social e muitas vezes tão pouco financeiro. Então invista nesta ideia com muita coragem. Não espere que uma história mal resolvida no passado venha bater a sua porta, conclua-a, ponha um ponto final. Aproveite pra se reciclar, para jogar fora os excessos antes que seja tarde; assim o recomeço será mais leve e prazeroso. 


8- Motivação;

Todo mundo que se interessa pela imigração acredita ter um motivo para querer imigrar. Uns sonharam com isso a vida toda, outros são levados pelas circunstâncias da vida. Mas, a menos que seu caso, seja motivado por alguma força maior que te obrigue a migrar, certifique-se que sua motivação é mesmo válida. Eu costumo dizer que não precisamos de motivos pra imigrar, basta ter coragem! Isso é verdade, mas eu sei que às vezes precisamos de motivos para apoiar nossa decisão. Então pense na imigração como um casamento, não venha sem ter certeza de que esta tomando a decisão certa. Assim como em um casamento você pode se separar, mas fazer um projeto pensando que pode não dar certo já é meio caminho para o fracasso. Imigrar deve ser uma decisão planejada com cuidado, sonhada e acalentada, mas com o devido pé no chão.


9- Perfil do solteiro x perfil do acompanhado;

Se você chegou até aqui, acredita que você tem o perfil necessário e você vai vir sozinho, ótimo! Você não tem com o que se preocupar. Mas se seu projeto envolver outras pessoas então esta não é o tipo de decisão que podemos tomar sozinhos. Imigrar tem que ser uma decisão conjunta, pois não é simples nem fácil. Se todos os envolvidos não tiverem de acordo dificilmente você conseguirá levar seu projeto adiante por muito tempo. Alguns casais não estão preparados para enfrentar este tipo de barra e acabam se separando; outros até se fortalecem. Outra coisa importante a considerar é a integração dos filhos, nenhum pai vive feliz sem a felicidade dos filhos.

Aqui cabe bem aquela frase; sonho que se sonha junto é realidade! Certifique-se que todos estão realmente embarcando nesta ideia. Mostre as vantagens que você esta vendo e converse bastante sobre isso. Assim quando estiverem aqui estarão todos dispostos a se apoiar e a andar juntos. Não tem nada melhor que comemorar o sucesso de um projeto com quem amamos.



Neste ponto já falamos dos principais desafios que você poderá enfrentar ao decidir ser um imigrante. Vamos agora a ultima dica:



10-Se informe;

Por que isso faz parte do perfil do imigrante? Porque buscar informações, pesquisar, ler e se informar é o que um pretendente a imigrante precisa pra ser mais assertivo e para minimizar os erros. Planeje! Invista tempo e energia no seu projeto! Ninguém ira fazer isso por você!

E além das informações referentes ao processo de imigração, se informe também sobre o país para onde você pretende migrar, sobre sua cultura, sua história. Um pouco de informação não vai te imunizar de todas as surpresas, mas vai te ajudar muito! Não só a compreender a nova cultura e a se integrar ao país que esta te acolhendo, mas também a decidir sobre seus objetivos depois de consolidada a imigração. 

Muitas pessoas acreditam que o Canadá e os EUA são praticamente a mesma coisa, mas ficam irritadas quando alguém não conhece o Brasil ou quando nos confundem com qualquer outro país da América do Sul. Então lembre-se que o Canadá tem sua própria historia e cultura, assim como o Brasil que é o único país latino que fala português é e muito diferente da Argentina, da Venezuela ou do Peru! 

Politicamente o Canadá é uma monarquia constitucional, e sua rainha é a Elisabeth II, a mesma da Inglaterra e da Austrália! Aqui se usa dólar canadense (e não americano!) e tem duas línguas oficiais; o francês e o inglês. O Canadá é um país de economia mista, com muitas políticas públicas que visam à igualdade social e a distribuição de renda. Não é um país para quem quer enriquecer, mas antes de tudo pra quem procura qualidade de vida e segurança. Se for isso que você esta procurando então seja bem-vindo!


E para finalizar deixo esta lenda para sua reflexão, ela se chama Oásis.

"Conta uma popular lenda do Oriente Próximo, que um jovem chegou à beira de um oásis junto a um povoado e, aproximando-se de um velho, perguntou-lhe:
- Que tipo de pessoa vive neste lugar?
- Que tipo de pessoa vivia no lugar de onde você vem? - perguntou por sua vez o ancião.
- Oh, um grupo de egoístas e malvados - replicou o rapaz - estou satisfeito de haver saído de lá.
- A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui, replicou o velho.
No mesmo dia, outro jovem se acercou do oásis para beber água e vendo o ancião perguntou-lhe:
- Que tipo de pessoa vive por aqui?
O velho respondeu com a mesma pergunta: - Que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem?
O rapaz respondeu: - Um magnífico grupo de pessoas, amigas, honestas, hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter de deixá-las.
- O mesmo encontrará por aqui - respondeu o ancião.
Um homem que havia escutado as duas conversas perguntou ao velho:
- Como é possível dar respostas tão diferentes à mesma pergunta?
Ao que o velho respondeu:
- Cada um carrega no seu coração o meio ambiente em que vive. Aquele que nada encontrou de bom nos lugares por onde passou, não poderá encontrar outra coisa por aqui. Aquele que encontrou amigos ali, também os encontrará aqui, porque, na verdade, a nossa atitude mental é a única coisa na nossa vida sobre a qual podemos manter controle absoluto."


Abaixo alguns links de textos interessantes que falam do mesmo tema. Sempre vale a pena ver outros comentários sobre este assunto!

Devo ou não imigrar? - por Marcio Ribeiro (Montreal na real)
Na Balança -  por Daniela Junqueira (No tempo...)

O lado triste do Canadá   - Aquarela Magazine
Desabafo sobre o Canadá  - (vídeo) Brazilians in Canada

10 fevereiro 2015

Migrar, Emigrar, Imigrar. Porquê?



Em todos os tempos migrar sempre foi um impulso natural da humanidade. Assim descobrimos cada um dos continentes e habitamos toda a terra. Até os dias de hoje existe sempre pessoas adeptas de mudanças, seja por curiosidade, por atração pelo desconhecido, seja pra sair da rotina ou por algum motivo de força maior. Migrar, emigrar ou imigrar... não importa pra onde, não importa o motivo estas palavras jamais saíram do dicionário. Mas logo que conhecemos uma pessoa nesta situação bate logo aquela curiosidade: Porquê será que ela imigrou?




Isso mesmo. 

Logo, “porquê você imigrou?”, foi uma das perguntas que mais ouvi desde que saí do Brasil. Nas universidades, nas escolas, em locais de trabalho, por amigos, por desconhecidos, na rua... enfim, aqui e lá. Todos querem saber.

Já respondi de várias maneiras, e minha resposta já mudou algumas vezes. De tanto falar sobre o assunto acabei chegando à conclusão que não precisamos de motivos pra mudar de país ou emigrar para algum outro lugar qualquer. Se observarmos bem, sempre tem gente com motivos melhores que os nossos pra se moverem de onde estão; seja da casa dos pais, da cidade, do estado ou mesmo do país e nem por isso se mudam. Então acredito que os motivos somos nós que criamos pra justificar nossas escolhas. De fato existem motivos trágicos como guerras, terremotos, exílio ou mesmo uma fuga que pode forçar uma mudança. Mas quando a escolha é pessoal o que vale mesmo é o nosso livre arbítrio e coragem! Funciona assim em qualquer circunstância e em qualquer lugar. Sempre teremos motivos para procurar algo melhor! Basta nos deixar guiar por eles.

Nos cursos de francês que frequentei por aqui sempre saía esta clássica: “Porquê você imigrou?” Como eu disse antes, já falei e escrevi sobre este tema várias vezes e acredito que tive tempo suficiente para pensar em todas as possibilidades ou em possivelmente todos os motivos; os meus e os dos outros. Em geral o que mais se ouve, ou seja, os motivos citados pelos imigrantes são; a procura de melhor qualidade de vida seja pessoal ou familiar, um bom emprego em vista, a procura de uma melhor situação financeira ou a vontade de recomeçar noutro lugar. Mas já ouvi coisas como; imigrei para viver longe da minha sogra! 

Achei muito engraçado quando ouvi isso de uma chinesa que estudou comigo. Mas com o tempo fui percebendo que muitos motivos estão realmente ligados as frustrações com as relações profissionais, pessoais ou familiares e as limitações nas liberdades de escolha dentro da família ou na sociedade de origem.

Sim, é verdade! 

As pessoas se sentem mais livres vivendo em outra sociedade. Livres pra decidirem o que querem ser e como querem se comportar. Livres para determinar como educar seus filhos. Livres para fazer uma nova escolha profissional. Livres para se vestir, para se expressar e até para ser totalmente diferentes do que já foram um dia. Vejo esta liberdade como um dos melhores aspectos da imigração. Sem a pressão da sociedade temos tempo para refletir melhor sobre a vida e sobre o que nos faz feliz de verdade, pois nos sentimos livres pra nos descobrir e nos permitir viver como manda nosso coração. 

Conheci pessoas que amadureceram e se transformaram de tal forma que eu diria que se tornaram quase irreconhecíveis. A maioria mudou para melhor! Bem melhor! Mas claro que isso é uma decisão pessoal, morar fora só abre uma porta para facilitar que as transformações aconteçam. E isso é de cada um. Tem gente que faz questão de manter-se imutável, acreditando ser isso uma virtude e trazem comportamentos e reações fundamentadas na sua cultura de origem. Nos casos mais extremos as pessoas se isolam em suas comunidades e fazem os chamados “guetos”. Elas mantém rigorosamente suas tradições e culturas e alguns nem mesmo falam outro idioma que não seja sua língua materna. Vivem num mundo a parte.

Não que manter alguns de nossos costumes não seja bom. Ao contrário, acho essencial e até mesmo vital para muitos de nós que moramos fora. 

Falar nossa língua materna em casa, mostrar coisas da nossa cultura, participar ou se informar das coisas do nosso país pode ser apenas uma riqueza cultural a mais que podemos passar aos nossos filhos, mas que também nos mantém vivos como brasileiros, como integrante das duas nações que somos. Nos faz estar conectados com nossas origens, com o que somos, ou com o que já fomos um dia.

Mas se nos abrirmos também para o novo mundo, as vantagens, a meu ver, serão maiores.

Uma das grandes oportunidades que temos é a de podermos avaliar melhor as coisas. Podemos olhar os problemas de nossa cultura, ou de nosso país, de fora. Podemos comparar por experiência o que funciona melhor num lugar ou em outro. Temos, se assim o quisermos, a possibilidade de ampliar nosso ponto de vista. De aprimorar nossa reflexão. Mas claro que isso não nos torna donos da verdade, ao contrário, nos faz entender que a verdade pode ser muito mais relativa do que imaginávamos. E que cada um tem um ponto de vista de acordo com suas experiências, suas vivências e seus conhecimentos. Estar olhando de fora nem sempre nos faz ter uma opinião melhor do que quem está dentro, só nos dá mais frieza pra analisar. 

Ressalto também, sem dúvida, os benefícios a nível pessoal. Temos oportunidade de fazer grandes mudanças na forma de pensar, de ver o mundo e encarar os problemas. Mudanças estas que podem ser profundas e transformadoras. Que podem, mesmo sem que a pessoa se dê conta, mudar toda sua maneira de viver.

Por isso que em qualquer circunstância e por qualquer período de tempo eu sempre incentivo as grandes viagens. Acho que os benefícios são enormes. Como eu disse antes, tanto a nível pessoal, como na relação com nosso país de origem. Temos, por exemplo, a chance de vê-lo com outros olhos, de dar valor a pequenas coisas, antes insignificantes e até de amar coisas nele que jamais havíamos percebido. Conheço alguns expatriados que são muito mais nacionalistas que a grande maioria que vive no Brasil. Às vezes tudo é uma questão de ponto de vista. E mudar o nosso ângulo pode salvar nosso mundo! Mas existem também os que sempre sonharam em sair do Brasil, que nunca se identificaram com nossa cultura e que ganhar o mundo foi só uma questão de tempo! Para estes a adaptação a uma nova sociedade é fácil e natural. Melhor assim pra eles, ou “Tant mieux pour eux” como diriam aqui.



“Morar no exterior é viver entre a cruz e a espada, entre a razão e o coração.
É ter tudo de melhor que o mundo pode te oferecer e sentir falta das coisas mais banais da sua terra. Eu amo meu país, mas ele ainda se comporta como uma madrasta má, infelizmente...” 
Anderson F. Silva


Depois de cruzar o mundo, vem à questão; e agora?



Foto Keith Regina


Morando no exterior há quase cinco anos esta, posso lhes garantir, é também uma questão muito recorrente. Sempre nos deparamos com pessoas querendo vir, e outras querendo voltar. O fluxo é uma constante e os motivos, sempre justificáveis.

Morar no exterior, no meu caso, ainda não é uma questão totalmente resolvida. Eu me sinto pertencente ao grupo que tenta aproveitar as oportunidades e que se abriu para um mundo novo. Tenho consciência dos benefícios e desvantagens de viver entre dois mundos. Talvez por isso eu ainda me pego vivendo em fase, ora completamente satisfeita com a nova vida, ora saudosa, lembrando de um tempo que talvez não exista mais. Me sinto como dito pelo autor desta frase acima, “entre a cruz e a espada, entre a razão e o coração.” Tenho tudo de melhor que um país rico, desenvolvido e com sólidos princípios humanitários e de igualdade social como os que o Canadá pode me oferecer, mas às vezes sinto falta das coisas mais banais do Brasil. 



Sinto falta de alguns amigos do coração, do cafezinho no final da tarde com direito a se encantar com o pôr de sol ou das conversas animadas com gente fina, elegante e sincera; dos encontros de família e do carinho e apoio que sempre recebo. Sinto falta das montanhas, do cheiro da mata, da água fria da cachoeira, de caminhar de uma praia a outra na expectativa de uma visão surpreendente; das paisagens de tirar o fôlego, vista de cima da montanha ou da varanda da pousada; da simplicidade da vida de algumas cidades do interior por onde eu sempre passeava nos finais de semana...
 


 AH! Eu também amo o Brasil... 



Amo de verdade, só que logo após o devaneio me bate uma tristeza. Lembro-me do quão dura é a vida lá. E não é só na questão política, mas social também. Lembro-me da violência urbana, da ganância e do egoísmo; da cultura vazia, flácida e da mentalidade tacanha fácil de encontrar... Lembro-me que infelizmente “este país que tanto amo ainda se comporta como uma madrasta má...” Que quem garante o seu, pouco se importa com o resto da população e que mentir e tão aceitável quanto o preconceito e a discriminação social. Talvez por isso os vilões da dramaturgia encontrem tantos admiradores, e até uma torcida cativa por lá.



Claro que os países desenvolvidos pra onde normalmente migramos não são perfeitos. Tão pouco o Canadá é perfeito. Aqui também tem preconceito, tem discriminação, tem gente mentirosa, tem corrupção, tem governo que quer impor sacrifícios à população. Tem político que mente pra ganhar as eleições e depois não cumpre as promessas. Tem problemas na economia, tem grandes empresas falindo, tem desemprego, tem cortes de orçamentos importantes na saúde, educação, cultura e tem também muitas greves e muitas lutas... O que faz a diferença é que aqui sentimos segurança e confiança. Confiamos na justiça, confiamos que nossos direitos, garantidos por lei, serão resguardados. Confiamos que os culpados serão punidos e os inocentes serão inocentados. Confiamos que as leis, sejam elas quais forem, vão ser respeitadas. Confiamos que não importa quem você seja você terá os mesmos direitos e deveres de qualquer outro cidadão. Mesmo se for o dono de uma companhia aérea e se for pegar um voo essa pessoa vai ter que entrar na fila, como você que comprou na classe econômica, e ele vai esperar sua vez de embarcar como qualquer outra pessoa. E isso não é exceção, isso é a realidade aqui. Podemos ver em qualquer lugar, seja na fila de um banco, do supermercado, e até nas escolas. Porque aqui é vergonhoso não saber esperar sua vez. É vergonhoso desrespeitar o próximo, furar fila, buzinar no trânsito, não respeitar as regras, gritar, conversar ou ouvir música alta incomodando a vizinhança, mesmo que em lugar público. Aqui também tem moda e para segui-la basta ser gentil e respeitoso.


 

E dentro desta lógica, as manifestações surtem efeito, as reivindicações são ouvidas e negociadas, os casos de corrupção e discriminação são julgados. Os direitos das minorias garantidos. A população é consultada sobre temas de seu interesse. As cidades são devidamente sinalizadas e a população é avisada de problemas sérios com a devida clareza e antecedência. 

Os professores, desde a pequena escola até a universidade, ensinam os alunos a refletir, a buscar informações, a pesquisar e jamais enfiam a matéria goela abaixo como verdade absoluta. Então se cria o hábito de pensar, de questionar, de argumentar e refletir!  Aqui criam-se pessoas autônomas, independentes, com opiniões e modo de vida a serem respeitados. Criam-se cidadãos conscientes e não gente egocêntrica, fútil e deslumbrada, estas são as exceções. Aqui a individualidade é respeitada e opiniões diferentes enriquecem o ponto de vista.

Enfim, as coisas funcionam bem e você pode se sentir seguro pra confiar no país e nas pessoas. Pois o país te apoia, te escuta e resguarda seus direitos e as pessoas sabem viver em sociedade e sabem respeitar umas as outras. Qualquer um que se adapte a isso terá uma vida tranquila...

De fato, o que faz a diferença entre as sociedades da qual faço parte; Brasil-Canadá, é aquilo que cada uma apresenta como regra e não as exceções.

Então como convencer a razão? Só mesmo o coração. E todos sabem que o coração tem razões que a própria razão desconhece, por isso terminar os dias em outro país nem sempre é o destino desejado de muitos imigrantes.


Mas qualquer que seja o final da historia o fato é que migrar para outras regiões e principalmente para outros países pode ser uma experiência muito enriquecedora. Seja por uma temporada, alguns anos, ou pra sempre. A viagem sempre vale a pena! Motivo você não precisa, o que você precisa mesmo é de coragem!


Bon Voyage!..